quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Culto Infantil - 17/10/2010

Hoje (17/10/2010) o culto foi em comemoração ao dia das crianças. Mas não foi só isso, as crianças fizeram tudo, desde o louvor, até a pregação.

Todavia, começo esse relato pelo fim:

Na volta para casa, eu, como sempre, volto conversando sobre o culto com a Jaque e pergunto: “O que aconteceu hoje foi um culto?”

A Giovana, então – não sei se ela entendeu a pergunta, ou se eu é que não entendi nada até aquela hora – disse: “Gostou do culto, papai!” E eu respondi como todo pai deveria responder: “Sim filha, adorei o culto que vocês fizeram!” E, após isso, ela disse – mais uma vez, parece que eu ainda não estava entendendo nada!: “Eu gostei muito da pregação da Bia!” Então é que eu caí em mim!

O que ela chamava de pregação foi a Bia (filha do Denis e Jurema, com 12 anos recém-completados este mês) contando a história de Ester em cerca de não mais do que 15 minutos, e terminando com duas “morais” para a história de Ester.

Depois, em casa, a Giovana ainda comentou: “Eu gostei muito do que a Bia falou. Bem mais do que quando você ou o tio Jô falam. Ela contou uma história e foi bem rapidinha.”
...
Definitivamente, eu não acredito no que a Bíblia fala sobre o perfeito louvor da boca dos pequeninos!
Mt 21: 12-17
16 e lhe perguntaram: “Não estás ouvindo o que estas crianças estão dizendo?”
Respondeu Jesus: “Sim, vocês nunca leram: “ ‘Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos suscitaste louvor’ ”?
17 E, deixando-os, saiu da cidade para Betânia, onde passou a noite.


Salmo 8
2 Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos firmaste o teu nome como fortaleza, por causa dos teus adversários, para silenciar o inimigo que busca vingança.

Explico-me, e esse negócio de se explicar já é coisa de adulto, mesmo.

A questão não é que eu não acredito na Bíblia, a questão é que eu não pratico em nada a crença nesse ponto.

Hoje, no culto, como eu disse, as crianças fizeram tudo, tudo mesmo (e o culto durou cerca de 90 minutos, tirando a única parte “adulta” do culto que foi a apresentação de uma criança – o que, por sinal, não estava agendado, mas veio bem a calhar, e durou mais uns 20 minutos).

Então, as crianças cantaram as músicas e a Giovana ministrou o louvor (antes de cada música ela dizia o nome da música que iríamos cantar), as crianças tocaram os instrumentos (o Mateus levou a guitarra de brinquedo – e quebrada – das meninas superpoderosas da Giovana e ficou sentado em um banquinho junto com os outros músicos ‘tocando’), a Bia pregou, teve apresentação de algumas danças com coreografias ensaiadas pelas professoras do ministério infantil, as crianças jogaram futebol (literalmente) enquanto puseram um playback de fundo, a Giovana dançou Ballet com a música do Kléber Lucas – Sê Bem-vindo – e os meninos dançaram um hip-hop (o Mateus estava nessa, também).

Não preciso falar que houve alguns ensaios para algumas das músicas (não mais do que uns 4, talvez) e que tanto a Giovana quanto o Mateus estavam bem animados com o que iria acontecer no culto.

A Giovana, desde que comentaram que as crianças iriam fazer um culto, já estava imaginando o que fazer para ministrar o louvor, e preocupada em como deveria fazer isso. O Mateus, por sua vez, vendo os meninos tocarem os instrumentos, não se continha e estava sempre pegando algum instrumento para tocar, mesmo não sabendo tocar nada.

Agora, eu, na minha ‘maturidade’, quando fiquei sabendo que as crianças iam fazer o culto, pensei em uma ou duas apresentações no final do ‘culto normal’, e nem empolguei as crianças, por não pensar que fosse algo realmente importante, principalmente, o Mateus, já que ele tem apenas 3 anos e não iria tocar nada e eu estava com medo de que ainda pudesse quebrar algum instrumento se ele pensasse em tocar mesmo.

Quando fiquei sabendo que as crianças iriam tocar/cantar todas as músicas do período de louvor, pensei que seria algo diferente, mas não imaginei que os adultos não iriam participar.

Quando me disseram que uma criança iria pregar, não imaginei que não houvesse uma pregação adulta.

Quando meus filhos me disseram que iriam apresentar um ballet e um hip-hop, não imaginei que seria tão improvisado.

Na sexta (dois dias antes) a Giovana levou a música para ensaiar o ballet. No sábado eu pedi para que ela me mostrasse o que iria dançar e ela disse que não queria (como eu não estava levando o negócio a sério, nem insisti). Hoje, depois do culto eu perguntei se ela havia ensaiado e ela disse: “Não, eu improvisei tudo!”

O Mateus, sim, eu tenho certeza, nem precisei perguntar, improvisou tudo, mesmo! E nem sei se eles haviam ensaiado alguma coisa!

Sobre as apresentações, foi tudo muito lindo. As crianças cantaram bem, dançaram bem, pregaram bem. A Giovana fez uma dança de improviso muito linda, parecendo que estava sozinha na igreja. E o Mateus fez o seu hip-hop como se realmente soubesse o que estava fazendo (e, embora essa frase seja utilizada como força de expressão, tenho certeza de que ele sabia mesmo o que estava fazendo, quem não sabia o que estava acontecendo era eu!!!). E mais, em determinado momento, ele começa a bater palmas, olha para todos que estavam assistindo a apresentação na igreja e diz: “Agora, todo mundo batendo palma!” Foi fantástico!

E mais, saindo de casa o Mateus disse que queria levar a guitarra da Giovana para tocar na igreja e eu pensei que seria melhor ele levar aquela do que estragar alguma de verdade. E foi formidável a maneira como ele ficou sentado junto com os adultos na frente tocando aquela guitarra cor-de-rosa como se fosse canhoto. Chegava até a pisar em um pedal imaginário e a mexer os dedos como se estivesse fazendo um acorde. Ele cuidou da guitarra o tempo todo, e fez (pelo menos para mim) um show a parte.

O esforço dos professores do ministério infantil foi muito bem recompensado. Graças a Deus por todos! Valeu a pena!!! Glórias a Deus por tudo o que ocorreu!
...
Agora, vamos às considerações de um ninguém que acha que sabe o que deve ser feito!

Sinceramente, quando cheguei à igreja vi muita gente no culto (muitos convidados do casal que iria apresentar a criança – estes, por sinal, não são membros da igreja. Eles são amigos do Denis e já queriam ter apresentado a filha há algum tempo na igreja, e pediram para fazer isso no sábado e tudo se acertou para acontecer a apresentação no domingo) (também, alguns convidados do Beto; mais alguns convidados que fazia tempo que não apareciam na igreja, e, de surpresa, um casal de amigos meus (muito bons amigos, por sinal), que resolveram aparecer justo hoje!). Parece que a nossa igreja só fica cheia de visitantes quando essas coisas diferentes acontecem. Deus deve usar isso para alguma coisa: ou o visitante vê a nossa maluquice e se agrada, ou nunca mais volta. É quase como um tratamento de choque!!

Um desses visitantes entrou na igreja me perguntou se hoje haveria culto. Eu disse que a igreja estava enfeitada porque seria um culto especial para o dia das crianças, mas no fundo, o que eu estava fazendo era, de alguma maneira, me desculpar pelo culto das crianças.

Depois, quando vi meus amigos e pensei que não haveria ‘pregação normal’ (seja lá o que pode ser considerado isso!), já comecei a imaginar alguma desculpa para dar no final do culto.

Mais do que isso, fiquei um bom tempo me remoendo por dentro para não ir lá na frente da igreja e tentar ‘salvar’ a noite com uma bela de uma pregação/desculpa sobre o que estava acontecendo. Nisso, Deus usou uma criança para me impedir de estragar tudo: a Isabele, pois como eu tinha de ficar com ela no colo, não tive como ir à frente e fazer a besteira que pretendia.

Que mania mais besta essa: imaginar que se nada sair da forma como eu considero adequada eu devo me desculpar. Ou pior, imaginar que eu é que sei o que é realmente um culto adequado! É a velha história do “Princípio Regulador do Culto” do século XVI/XVII que insiste em me perseguir. Imaginar que Deus só se agrada de nossos ‘cultos normais’. Imaginar que crianças não sabem o que estão fazendo. Imaginar que ‘ordem’ significa ‘cada coisa no seu lugar’ ‘e da forma como eu quero’.

É por isso que descobri, depois de hoje, que eu, definitivamente, não acredito que da boca dos pequeninos Deus tira o perfeito louvor. Mas, graças a Deus, que Ele ainda não terminou de me ensinar essas coisas.

O culto terminou e eu não me desculpei com ninguém sobre nada do que ocorreu no culto. Inclusive, meus amigos saíram dizendo que gostaram! E eu espero, realmente, que voltem e fiquem!

E agora, deitado na cama, me senti forçado a escrever tudo isso (mesmo de forma confusa), em agradecimento a Deus por tudo o que aconteceu.

Há muito tempo que não me sentia tão bem na igreja.
Há muito tempo que não saía de um culto com o sentimento de dúvida do tipo: “Será que fizemos a coisa certa?”
Há muito tempo que não via meus filhos tão integrados no culto!
Há muito tempo que não me sentia lavado e feliz com tudo e todos, como me senti hoje cheio de gratidão a Deus.

A dúvida é, para mim, extremamente saudável. Me ajuda a buscar mais a Deus, pois quando tudo está bem, andando normalmente, parece que, no fundo, apenas estamos em ‘ponto morto’ descendo a ladeira. E com Deus nós nunca devemos estar descendo a ladeira.

É exatamente a dúvida que me faz andar no caminho prostrado e não com o nariz empinado.

É exatamente a dúvida que me torna dependente, pois o “princípio regulador do culto” me faz criar certezas que servem apenas para me afastar de Deus e me enclausurar em mim mesmo.

E havia tempos que não tinha dúvidas na caminhada da nossa igreja. E isso me animou e me fez sorrir com a convicção de que o caminho que estamos percorrendo nessa comunidade é o caminho para o qual Deus tem nos conduzido.

Meus filhos se sentiram muito bem, hoje. E digo isso porque eles ficaram muito à vontade para fazer na igreja aquilo que fazem em casa! Eles correram, cantaram, dançaram, fizeram o ‘show’ deles. Aquilo que, não raras vezes, ele querem me mostrar e eu, ocupado com as minhas coisas de adulto, não tenho tempo de prestar atenção. Ou aquilo que eles, não raras vezes, fazem à exaustão e eu, tão acostumado a ver as flores pelo caminho, já não as considero importantes nem paro para sentir seu perfume.

Muitos querem que seus filhos façam em casa o que fazem na igreja! Eu não!!!!

E hoje pude me sentir realizado: meus filhos fizeram da igreja a casa deles. O que eles fazem em casa, eles fizeram de forma completamente descontraída na igreja.

A igreja deixou de ser um lugar santo para ser um lar. E, quem sabe, para eles, poderia dizer que a igreja deixou de ser a sala, onde os bibelôs de decoração do papai e da mamãe não podem ser tocados, para ser o quintal ou o quarto da bagunça, onde eles podem jogar tudo para cima sem preocupação e chamar os amigos para brincar de casinha, futebol, esconde-esconde …

Para mim, isso é perceber que Deus tem falado com eles e os tem chamado para Si.
Para mim, isso não é falta de reverência, mas aprender a desfrutar da casa do Pai.
Se a igreja não é um lugar de crianças, não pode ser a família de Deus.

Eu que vivo dizendo que igreja não tem futuro, só presente, e que as crianças não são o futuro da igreja, mas o presente da igreja, hoje, tive a oportunidade de me ver confrontado com essa realidade e me senti confuso com a verdade dessa afirmação que tantas vezes fiz.

E fico feliz em poder ainda ser consternado pelo agir de Deus de forma tão assombroso!

Mas isso, lógico, só foi capaz em razão das amizades que estão sendo criadas lá.

E tudo o que aconteceu hoje me fez sorrir por saber que os filhos de todos ali são cuidados por todos que ali estão. Não cuido apenas dos meus filhos, mas dos outros todos. E, ao mesmo tempo, meus filhos têm o carinho de todos os avós, pais e crianças da igreja.

Isso é mais do que eu poderia imaginar em pedir a Deus.

É fantástico poder ouvir hoje: “Nossa, como o Mateus está diferente!” sabendo que quem me fala isso acompanhou nossas preocupações com o Mateus e, mais, orou a Deus pelo meu filho para que ele pudesse ser a criança que ele é hoje!

É formidável conviver em uma comunidade que apesar das cabeçadas, das dúvidas, dos erros (muitos), dos acertos (muitos, também, graças a Deus), daqueles que vão (infelizmente), veem (felizmente) e ficam, essa comunidade caminha em um caminho juntos e, sobretudo, tem entendido que o importante é caminhar juntos, e não chegar em algum lugar.

Como eu posso dizer que a Giovana não entendeu nada? Como eu posso falar que aquilo que ocorreu não foi um culto? Como eu posso compreender essa história de que o louvor perfeito sai da boca dos pequeninos?

Acho que quem não entendeu nada fui eu!

Contudo, espero que a lição tenha começado a ficar um pouco mais clara para mim a partir de hoje!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Música e Pregação

Vi no sítio do Cristão Confuso um vídeo com a música do Legião Urbana: Pais e Filhos.

Ele disse que a música foi feita quando uma colega de sala se suicidou.
"O Renato explicou então que aquela música era na verdade uma triste recordação de uma amiga de escola, que se suicidara. Ironicamente, ter que tocá-la o fazia sofrer.
A letra revela as constantes frases usadas entre os familiares. Saudoso, triste...
Creio que ainda é válida."

Parei para pensar um pouco na letra e para não esquecer meus pensamentos, os escrevo aqui. :-)

PAIS e FILHOS - LEGIÃO URBANA

Estátuas e cofres e paredes pintadas. (A família da menina parece que vivia uma vida 'tranquila')
Ninguém sabe o que aconteceu... (Todos ficaram abalados e sem resposta)

Ela se jogou da janela do quinto andar. (!)
Nada é fácil de entender... (!)

Dorme agora. Uuummhum! É só o vento lá fora... (Parece uma frase que o pai dizia à filha. Ou pode ser que estaria dizendo que a filha está morta e nada vale mais a pena - é só vento)

Quero colo! (Frase da menina quando pequena)
Vou fugir de casa! (Frase da menina quando grande)

Posso dormir aqui com vocês. Estou com medo, tive um pesadelo. (Frase da menina quando pequena)

Só vou voltar depois das três... (Frase da menina quando grande)


Meu filho vai ter nome de santo. Uummhum! Quero o nome mais bonito... (Desejos do pai para a filha)

É preciso amar as pessoas, como se não houvesse amanhã.
Por que se você parar pra pensar, na verdade não há... (Conclusões do autor sobre um fato absurdo, as contingências da vida, a brevidade da vida e as coisas que são realmente importantes)

Me diz, por que que o céu é azul (pergunta que o pai faz para a qual não há respostas!)
Explica a grande fúria do mundo (pergunta que o pai faz para a qual não há respostas!)

São meus filhos que tomam conta de mim...
Eu moro com a minha mãe, mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar...

Já morei em tanta casa que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais
Huhuhuhu!...ouh! ouh!...

É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar
Pra pensar
Na verdade não há...

Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais
Não entendem
Mas você não entende seus pais...
Você culpa seus pais por tudo
Isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Poesia - Oscar Wilde

Ouvi essa poesia na Band News nos "Devaneios" do Juca de Oliveira e acho que vale a pena pensar nela, em especial, na época intransigente em que vivemos:

Só consegui o link para e texto aqui!

Segue o texto abaixo:

Loucos e Santos
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
Oscar Wilde

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pensamentos

É interessante como a 'novidade' se apresenta:
às vezes, ela é o que não havíamos visto;
às vezes, ela é o óbvio;
e apenas em poucas vezes ela é o novo.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Rubem Alves

Texto: Batizado
Link: http://www.rubemalves.com.br/obatizado.htm

Li esse texto ouvindo a mensagem na Betesda do Villy Fomin de 16/05/2010 (muito boa, por sinal) (Ver Blog). Descobri que prefiro ler o Ricardo Gondim a ouví-lo pregar! hehehe
O texto do Rubem Alves, todavia, é maravilhoso. Cada detalhe pensado para a perpetuação da memória e partilha do nome e vida da neta com e entre os convidados e familiares. A dignidade que lhe foi dada e o eco que sua vida passou a reverberar em todos que presenciaram o batizado.
A história de Kunta, também, foi formidável.
Terminando o texto, não contive as lágrimas, sentindo a presença de um Deus que nos acolhe e reparte conosco a sua/nossa humanidade. Que coloca em nós a eternidade para que eternamente possa nos amar com amor eterno!
Oxalá possa eu, também, transformar símbolos tão singelos (uva, vela, caneta, papel, nome) em experiências de eternidade e contato com o Eterno para meus filhos.
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O Batizado


Sérgio, meu filho, me fez um pedido estranho. Pediu-me que preparasse um ritual para o batismo da Mariana, minha neta. Eu lhe disse que, para se fazer tal ritual, é preciso acreditar. Eu não acredito. Já faz muitos anos que as palavras dos sacerdotes e pastores se esvaziaram para mim, muito embora eu continue fascinado pela beleza dos símbolos cristãos, desde que sejam contemplados em silêncio.
Ele não desistiu e argumentou: “Mas você fez o meu casamento.“ De fato. Lembro-me de como ele encomendou o ritual: “Pai, não fale as palavras da religião! Fale só as palavras da poesia!“ E assim foi. Foram textos do Cântico dos Cânticos, poema erótico da Bíblia, que deixa ruborizadas as faces dos beatos e beatas: “Teus dois seios são como dois filhos gêmeos de gazela! Teus lábios gotejam doçura, como um favo de mel, e debaixo da tua língua se encontram néctar e leite...“ Divirto-me pensando na cara que fariam Papa e bispos se lessem esses textos... Seguiram-se textos do Drummond, do Vinícius, da Adélia - tudo terminando não com a chatíssima Marcha Nupcial, mas com a Valsinha, do Chico, ocasião em que os convidados, moços e velhos, pegaram os seus pares e trataram de dançar. Foi bonito. Quando a coisa é bonita a gente acredita fácil.
Lembrei-me, então, de um trecho do livro Raízes negras - onde se descreve o ritual de “dar nome“ ao recém-nascido, numa tribo africana.
Omoro, o pai, moveu-se para o lado de sua esposa, diante das pessoas da aldeia reunidas. Levantou então a criança e, enquanto todos olhavam, segredou três vezes nos ouvidos do seu filho o nome que ele havia escolhido para ele. Era a primeira vez que aquele nome estava sendo pronunciado como nome daquele nenezinho. Todos sabiam que cada ser humano deve ser o primeiro a saber quem ele é. Tocaram os tambores. Omoro segredou o mesmo nome no ouvido de sua esposa, que sorriu de prazer. A seguir foi a vez da aldeia inteira: “O nome do primeiro filho de Omoro e Binta Kinte é Kunta!“ Ao final do ritual, após desenvolvidas todas as suas partes, Omoro, sozinho, carregou seu filho até os limites da aldeia e ali levantou o nenezinho para os céus e disse suavemente: “Fend kiling dorong leh warrata ke iteh ted“:“Eis aí, a única coisa que é maior que você mesmo!“
Essa memória me convenceu e tratei de inventar um ritual de “dar nome“, já que nenhum eu conhecia que me agradasse.
Organizei o espaço do living. Empurrei a mesa central, baixa, na direção da lareira. À cabeceira coloquei um banquinho velhíssimo - ali a Mariana se assentaria. Ao lado, duas cadeiras, uma para o pai, outra para a mãe. Na ponta da mesa, uma grande vela. É a vela da Mariana, vela que a acompanhará por toda a sua vida, e que deverá ser acesa em todos os seus aniversários. Ao lado da sua vela, duas velas longas, coloridas. E, espalhadas pela sala, velas de todos os tipos e cores. Na ponta da mesa, ao lado da vela da Mariana, um prato de madeira com um cacho de uvas.
Reunidos todos os convidados, começou o ritual. Foi isso que eu disse: “Mariana: aqui estamos para contar para você a estória do seu nome. Tudo começou numa grande escuridão.“ As luzes se apagaram enquanto, no escuro, se ouvia o som da flauta de Jean Pierre Rampal.
“Assim era a barriga da sua mãe, lugar escuro, tranqüilo e silencioso. Ali você viveu por nove meses. Passado esse tempo você se cansou e disse: ‘Quero ver luz!‘ Sua mãe ouviu o seu pedido e fez o que você queria. Ela ‘deu à luz‘. Você nasceu.“
A mãe e o pai da Mariana acenderam então a vela grande, que brilhou sozinha no meio da sala.
“Veja só o que aconteceu! Sua luz encheu a sala de alegria. Todos os rostos estão sorrindo para você. E, por causa desta alegria, cada um deles vai, também, acender a sua vela.“
Aí o padrinho e a madrinha acenderam as velas longas coloridas, e os outros todos acenderam, cada um, uma das velas espalhadas pela sala.
À chegada dos convidados eu havia dado a cada um deles um cartãozinho, onde deveriam escrever o desejo mais profundo para a Mariana. Continuei:
“Você trouxe tanta alegria que cada um de nós escreveu, num cartãozinho, um bom desejo para você. Assim, pegue esta cestinha. Vá de um em um recolhendo os bons desejos que eles escreveram. Esses cartõezinhos, você os vai guardar por toda a sua vida...“
E lá foi a Mariana com a cestinha, seus grandes olhos azuis, de um em um, sendo abençoada por todos.
“Todos deram para você uma coisa boa“, eu disse depois de terminado o recolhimento dos cartões. “Agora é a hora de você dar a todos uma coisa boa. Você é redondinha e doce como uma uva. Esta é a razão para este cacho de uvas. E é isso que você vai fazer. Seus padrinhos vão fazer uma cadeirinha e você, assentada na cadeirinha, vai dar a cada um deles um pedaço de você, uma uva doce e redonda...“
E assim, vagarosamente, a Mariana celebrou, sem saber, esta insólita eucaristia: “Esta uva doce e redonda é o meu corpo...“
Terminada a eucaristia, eu disse à Mariana:

“Agora, chegando ao fim, cada um de nós vai dizer o seu nome. Preste bem atenção. O nome é um só. Mas cada um vai dize-lo com uma música diferente. Porque são muitas e diferentes as formas como você é amada.“
E assim, iluminados pela luz das velas, cada um dos presentes, olhando bem dentro dos olhos da menina, ia dizendo: “Mariana“, “Mariana“, “Mariana“, “Mariana“...
Aqueles que olhavam os olhos da Mariana puderam ver que, à medida que ela ouvia o seu nome sendo repetido, eles iam se enchendo de lágrimas...
(Transparências da eternidade, Verus, 2002)

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